Abi Feijó na Casamarela: O Lado Longo da Curta
Tive o privilégio de assistir ao lado longo da curta, quer dizer, ao processo de criação da curta-metragem de animação “Mural” orientada pelo Mestre Abi Feijó na Casamarela.
Este é um projecto da Rota do Românico concebido e implementado ao longo de três oficinas de animação em espaços geográficos que acolhem a arquitectura românica: Lousada, Amarante e Felgueiras.
Com os objectivos primaciais de divulgar e educar a sensibilidade do espectador sobre estas preciosidades afectivo-culturais, esta curta-metragem é uma viagem às raízes identitárias ou patrimoniais do nosso País.
Por isso, a temática convergiu no mais proeminente fresquista do Renascimento português: Mestre Arnaus.
A equipa da Casamarela, liderada pelo fundador do Filmógrafo e da Casa da Animação do Porto, integrava os artistas da Casamarela, Karin Somers, Kate Byrne, Mário Peixoto, Diogo Cardoso, Joana Antunes e, ainda, Patrícia Azevedo, Verena Basto, Rui Gonçalves, Sofia Murteira, Julieta Oliveira, Patrick Byrne, Ana Margarida Santos, Gil Peixoto, Margarida Silva, Marcela Pinto, Maria Helena Ferreira, Maria Inês Ribeiro, Mariana Castro, Matilde Machado, Rita Baptista, Rosa Mendes e Ana Sá.
Constatei o quão complexos são os vários processos inerentes ao desabrochar da curta-metragem de animação; desde a aquisição conceptual relativa à arquitectura e à pintura mural; aos conceitos-base sobre guionismo (concepção do storyboard, do flipbook), e fotografia (jogos de luzes/focos/mesa), passando pelo manuseamento das máquinas fotográficas; à invenção das sonoridades adequadas às personagens-pessoas, personagens-objetos, personagens-espaços, culminando no processo de produção e edição de imagens (visionadas e tratadas minuciosamente de forma a recriarem os frescos de Mestre Arnaus).
Captei a atitude de comprometimento total dos criadores face à criação pictórica – pensada, desenhada, cortada, colorida e, tantas vezes, redesenhada e recortada -, que com movimentos delicados e ritmados ia ganhando anima.
Todas as fases são difíceis, tal como todas as idades do homem, porque todas encerram imprevistos e desafios à espera de serem acolhidos e superados.
Por exemplo, na fase da criação do argumento fílmico, assisti, por um lado, a um “brainstorming coletivo” com as ideias em completo desvario a brotarem de todas as mentes e de todos os poros da Casamarela; por outro lado, às extremas sensibilidade e sagacidade com que, sob a batuta de Abi Feijó, elas foram sendo paulatinamente aprofundadas e harmonizadas.
E que dizer da invenção poética dos sons? Os sons inventados das asas que batem e se querem escapulir, por exemplo, pareciam ter regressado às personagens momentaneamente perdidas, aquando do processo germinativo.
Assisti à paixão do Mestre pelos aprendizes, à paixão dos aprendizes pelo Mestre e, talvez mais importante, à paixão de todos em prol da criação desta curta-metragem de animação.
A Mariana Castro, a Margarida Silva, a Helena Ferreira, a Margarida Santos e a Inês Ribeiro confidenciaram-me, no dia seguinte, que com este projecto se redescobriram mediante uma aprendizagem onde confluíram os conceitos assimilados e as técnicas utilizadas, destacando também que, com esta pedagogia da imaginação, aprenderam a ofertar o melhor de si mesmas, num ambiente de acolhimento e auxílio-mútuo que lhes abriu as «portas para o fascinante mundo da animação».
A magia que experienciamos na tela com a contemplação de uma curta-metragem de animação é, afinal, sucedânea do lado longo da curta, o lado invisível e mágico do processo criativo da animação, cúmplice do processo de humanização.
Elsa Cerqueira
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Nota Marginal Um: Artigo publicado na Revista Gatilho, Abril, 2014, n.º 7.
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Nota Marginal Dois: A estreia da curta-metragem terá lugar no Museu da Animação em Lousada, no dia 18 de Maio, pelas 18 horas.
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Nota Marginal Três: Agradeço à Casamarela o duplo convite/privilégio que me concedeu, acompanhar a magia impregnada no processo criativo desta curta-metragem e escrever sobre ela.
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