Meat Love, Jan Švankmajer

Filed in Curtas PolegarMente.me by on February 12, 2014

polegar001

Ficha técnica:

Título original: Zamilované maso
Argumento e Realização: Jan Švankmajer
Género: Ficção/Animação
Produção: Jaromir Kallista
República Checa, 1989, Cores, 1’07

 

A ambiência, onde se desenrola espacialmente a narrativa de Meat Love, filme criado segundo a técnica de stop-motion, é desvendada do ponto de vista sonoro pelos ruídos dos objectos e das pessoas. Este ruído surge enquanto prova irrefutável das suas existências. Do ponto de vista icónico, o espectador retém os objectos: as panelas, o garfo, os pratos, a bancada de cozinha, o rádio, a cafeteira e, claro, os protagonistas, destacados pela sua cor sanguínea: o naco de carne da qual derivam dois belos bifes. É no processo de individuação que adquirem uma vida. É no processo de individuação que se diferenciam.
Num primeiro olhar não saberia destrinçá-los. Depois, o som e a música encarregam-se de substituir a legendagem. Os gritinhos agudos – apanágio do sexo feminino (?!) – e o jogo de sedução que se inicia com a dança e no qual o bife, certamente de sexo masculino, enceta.
A dança parece celebrar a emergente e imprevisível paixão, tal como o «enfarinhamento amoroso», expressão curiosa mas adequada aos protagonistas, o apogeu físico da relação.
Mas a Morte não é a personagem da obra Intermitências da Morte de José Saramago, não se apaixona. Também não é a figura magnificamente pintada por Gustav Klimt no quadro A vida e a Morte (1910-15). A morte é banal. E esta banalidade torna-a acessível, mesmo se indesejada, a todos. Democrática, portanto, mas também totalitária porque não há qualquer situação dilemática, como viver ou morrer, no argumento fílmico. É realidade sem escapatória, tal como a da tela de Klimt que espera pacientemente, munida com um sorriso sarcástico, a carne humana.
Esta ceifadora de vidas é, no filme do surrealista Jan Švankmajer, ceptro transmutado em garfo.
A conclusão parece-me óbvia: a durabilidade da vida reduz-se a uma questão garfo.
Só a magia de Švankmajer pode exprimir num minuto duas vidas ou todas as (nossas) vidas, arrancando os objectos do quotidiano da sua vulgaridade.
E quanto ao sentido da vida, talvez o pensamento de Emil Cioran auxilie na resposta pessoal a esta obscura interrogação universal: «A razão é uma prostituta, coloca-se sempre ao serviço do primeiro argumento que lhe aparece». Ou talvez não.

 Elsa Cerqueira

       

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