Artur Jorge: Literatura, Filosofia e Poesia
Conheci pessoalmente Artur Jorge em 1990 quando estagiei “em casa”, isto é, na Escola Secundária Oliveira Martins, situada na zona das Antas, entretanto desactivada.
Decidi convidar não o treinador- nesta altura celebérrimo por ter conquistado a taça de campeões europeus ao serviço do FCP, o meu clube do coração -, mas o Poeta, com estudos em Filologia Germânica, a dialogar com os alunos sobre a sua Poesia.
Queria minar o preconceito de que os treinadores de futebol não podiam ser intelectuais, cultos e sensíveis às artes e à filosofia.
É claro que Artur Jorge já nesta época era um caso de excepcional sensibilidade.
Era o meu primeiro ano enquanto professora de Filosofia e surpreendentemente Artur Jorge aceitou o convite de uma professora totalmente desconhecida. Vivi este episódio por entre uma incredulidade e um frenesim constantes.
Artur Jorge entrou de limousine branca na escola. Nunca mais me esqueci desta entrada triunfal, digna de um protagonista de um filme de Wim Wenders, e creio que os alunos também não. De fato azul escuro e com o seu inconfundível bigode, foi rapidamente rodeado por alunos que lhe pediam autógrafos. O que estes desconheciam é que Artur Jorge estava prestes a oferecer-lhes, a oferecer-nos, uma bela lição de Poesia, declamando alguns dos seus poemas e defendendo o papel das artes na escola e a importância do estudo, do pensamento e da filosofia na procura do sentido da vida!
Um visionário.
“6.
De
folhas
estateladas
a
árvore
corpo-
-só
de
pé
junto aos despojos
5.
Parece uma chama
oscila
de oiro
sobre a boca
exígua
um sopro de vento
derramando a água
do poema
de encontro à página a arder
4.
De sons impercetíveis
as cordas vocais
a altura
o timbre
ao piano
suspensa
3.
Os dedos crescem pela água dentro
ao encontro dos ombros
2.
Breve
e temerário
o rosto exposto
ao luar
1.
Folhas cansadas
no fim das tardes de outono
a exemplar unidade
das mãos
então
as veias
rios de coragem
em perfeito movimento
ardem em sangue
roucas
doidas de ar puro. “
In Poemário, Correio do Porto, 17-08-21
Muito obrigada pela desmesurada generosidade Artur Jorge.