A Arca do Éden, Marcelo Felix
Ficha Técnica
Realização e argumento: Marcelo Felix
Narração: Isabel Machado
Fotografia: Miguel Amaral
Som: Ricardo Sequeira
Produção: Christine Reeh, Isabel Machado, Joana Ferreira
Portugal, Itália, Brasil, 2011, 79’
No filme de Marcelo Felix há uma arca e um livro primordiais. Neles coexistem os reinos vegetal e animal.
Desenha-se a forma, mede-se o tamanho, inala-se o perfume, percepciona-se a cor. Sente-se o pulsar da Vida.
Todos os nomes, todos os baptismos, concedem ser ao ser que pré-existia. De onde advém esta necessidade vital de nomear, registar e ordenar a aparente desordem?
Há uma sofreguidão em outorgar a imutabilidade, a permanência, ao fugaz. Em dilatar as impressões (humanas) fugidias das mais variadas espécies (vegetais).
Capta-se, aprisiona-se, o vivido nas memórias (visual, auditiva, olfactiva, gustativa, táctil). Mas o retido é, amiúde, esquecido.
A vida de uma impressão depende da sua duração. E, por isso, também a memória ou as memórias se submetem à tirania de Chronos. Mas a duração é cúmplice da intensidade, cabendo à memória afectiva – com ou sem o nosso consentimento -, hierarquizar as experiências vividas. O que seria de uma memória sem história(s)? E de uma história sem afectos?
O cinema é memória deambulante. A botânica praticada no interior da arca, memória flutuante. Ambas descrevem a (nossa) realidade, reinventam o que foi, antecipam o que será. Pontes para o passado, oráculos do devir.
O homem?
Um artesão de memórias. Memórias que são ora cristalinas, ora sombrias. Tal como o lusco-fusco das personagens dos filmes mudos que, comungando da dialéctica aparição-desaparição, sobrevém na retina do espectador.
Reinventamos porque esquecemos e esquecemos para reinventar. Mas tal só é possível porque o amanhã se alimenta da ilusão do recomeço. E o insone, no qual a memória labuta incessantemente, não possui, segundo Emil Cioran, a consciência (ilusória) da descontinuidade, condição primeira para a consciência que se reinventa a si mesma.
Procuramos conhecer o que nos rodeia, desconhecendo-nos. Preservámos as espécies, depauperando os recursos e habitats naturais. Por isso, no âmago do ser humano residem Eros e Thanatos: sementes da criação e da destruição. Paradoxo radical e incurável da condição de ser do homem.
Há um viajante que nos guia por esta viagem fílmica exploratória, mas são inúmeros os viajantes misteriosos que coabitam em nós e nos acompanham na busca peregrina pelo sentido último da vida. Timoneiros desprovidos do “Almanaque da vida”, elevamo-nos à categoria de exploradores-aventureiros da(s) existência(s).
A arca, albergando uma floresta, navega sob os desvarios dos ventos, das águas revoltas e dos desejos imorredouros dos homens. N’ A Arca do Éden vislumbra-se a Esperança que restou na caixa de Pandora. Não interessa se é real, sonhada ou imaginada…
Elsa Cerqueira